segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O SILÊNCIO FALA


Um dia, para lá do tempo que passou, com as ondas do mar lavando meus pés enquanto eu cantarolava sobre fazer “isso pra esquecer” e deixar “a onda me acertar” ao passo em que  o vento ia “levando tudo embora”, com a melancolia típica de um jovem reflexivo, que pensava na vida mais do que deveria, pulando uma fase na qual poderia dar pouca atenção às seriedades que lhe eram cobradas, pensei mais uma vez que o destino me reservava uma morte em breve idade, quando já fosse tão cedo para esse tempo e tão tarde para tanto amar.

Anos depois, o Vento no Litoral ainda me emociona. Não mais da forma que àquela época, na pedra que canta, mas de modo apenas a lembrar de velhos tormentosos e maravilhosos momentos, amores e aventuras (bem) vividas. Agora, já não sei se ainda é cedo para morrer, ou se já tardou. Não acredito mais em muito do que almejava naquele tempo. As percepções mudaram e descobri que algumas coisas só têm um tempo para serem experimentadas. E esse tempo é o agora de um passado já desfrutado. Não há como viver tudo o que se deseja. Não cabe naquele espaço/tempo. Mas com certeza sempre fazemos as escolhas pelo que nos é mais caro e mais urgente.

Não sei porque, mas ter muito do que os outros desejam como meta nem sempre é a resposta que buscamos como complementação às nossas carências. Você pode ter tudo o que satisfaria a todos, mas não está satisfeito por apenas algo que não tem.

Talvez o tempo de morte não seja igual ao tempo de falência do corpo. Será que alguém morre quando ainda está vivo? Alguns acontecimentos da nossa vida podem fazer isso.


E algumas pessoas nos matam mesmo sem saber. Nós apenas puxamos o gatilho. Há vezes.

domingo, 17 de setembro de 2017

Passaram os domingos e a vida

Quando criança, todos os domingos eram dias em que a família toda se reunia à mesa para o almoço. Era aquele o dia da semana em que o compromisso de todos era está em casa àquele horário. Minha mãe costumava sair cedinho para a feira, a fim de comprar os mantimentos  da semana e o famoso ‘corredor de boi’ para o preparo do famoso pirão. Eu pensava, então, que o domingo era o ‘dia mundial do pirão’, já que sempre aos domingos saia de cena o feijão com arroz para dar vez àquela comida diferente.





Minha memória põe reunidos minha avó Quitéria (que morava conosco), meu pai (em sua cadeira de patriarca na qual mais ninguém podia sentar), minha mãe às voltas com o serviço, garantindo que os sete filhos mais alguns outros meninos da vizinhança se alimentassem, e momentos inesquecíveis que ficaram apenas na memória.

De lá para cá a feira deixou o domingo pela véspera, minha avó e meu pai deixaram esta existência, bem como alguns dos amigos. A família cresceu com a chegada de netos e bisnetos aos montes, mas os domingos foram reduzidos a encontros esporádicos e mais rápidos do que gostaria.

Eu, tão logo descortinei as janelas da casa, me aventurando nos paços externos e em outras casas, descobri que o ‘dia mundial do pirão’ era só lá em casa. E que a família era o mundo da minha infância. E o pirão era a desculpa para estarmos todos juntos, como família e como amigos.

O tempo passou.

E a vida nunca mais se repete.

domingo, 20 de novembro de 2016

OS RADICALISMOS NOSSOS DE CADA DIA

Os radicalismos estão se infiltrando nas mais singelas coisas da nossa vida.

Eu crio cachorros ha vários anos e, nesse tempo, percebendo que estes têm medo de fogos de artifício, procurei meios de fazê-los não temer.

Tenho irmãos e sobrinhos que nasceram em datas próximas aos festejos juninos e nenhum deles teve problemas com tiros de bombas e foguetões. Muito ao contrário: todos nós brincamos muito com a 'magia' dos fogos (até entendo que hoje o bom senso faça afastar as crianças das possíveis queimaduras), e aprendemos a não 'ter medo' de barulhos.

De uns tempos para cá, entretanto, tenho visto manifestações radicais contra a queima de fogos por conta de crianças e animais e vejo nisso um radicalismo exacerbado dentro de uma discussão que envolve o individualismo, a falta de adaptação aos costumes locais (no que aparece a intenção de adaptar a comunidade às suas necessidades), cultura, etc.

Precisamos dialogar mais sobre tudo aquilo que nos aflige de alguma maneira antes de determinarmos que as nossas necessidades devem ditar as ações sociais externas e partir para o constrangimento público daqueles que seguem antigos e arraigados costumes, como a queima de fogos (e isso serve para muitas outras manifestações).

Em um outro contexto, Eric Robsbawm disse que "quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem".

Tirando os cães (que já existiam antes que salitre, enxofre e carvão fossem misturadas na medida certa) e até hoje estão aí para provar que a raça não se extinguiu mesmo tendo medo do barulho, não sei que tipo de 'ser-humano-não-me-toque' estão sendo criados. O que mais me apreende, no entanto, não é acreditar que as crianças dessa época de intolerância extrema morrerão assustadas pelo fogos. Temo, sim, em vê-las crescendo numa crença de que o seu bem-estar se eleva acima de todas as vontades comunitárias.

terça-feira, 12 de julho de 2016

BELO JARDIM E OS 18 DO FORTE

No último 5 de julho o Brasil lembrou a passagem dos 96 anos da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, na qual jovens tenentes desafiaram o governo da República Velha e enfrentaram, destemidamente, 3000 soldados numa batalha desigual, na qual os jovens lutavam pelo fim do voto de cabresto, por reformas educacionais e mudanças no sistema eleitoral, entre outras bandeiras.


Entre os jovens tenentes estava Antonio de Siqueira Campos, que foi baleado no confronto, mas sobreviveu para participar, ainda, da famosa Coluna Prestes, que percorreu o interior do Brasil denunciando os desmandos e injustiças sociais promovidas pelo governo federal.

Como reconhecimento por sua contribuição na luta pelo fim das desigualdades e a favor de uma democracia mais participativa, Siqueira Campos recebeu homenagens por todos os recantos deste imenso país, emprestando seu nome desde a uma estação do metrô no Rio de Janeiro, ou um parque na capital paulista (o Trianon), até uma praça em Belém do Pará, sem deixar de passar em milhares de cidades brasileiras, que o agraciaram dando seu nome a importantes ruas. Assim também foi em Belo Jardim, na década de 30 do século passado, quando pessoas que compreendiam a grandeza dos atos daquele homem, também o homenagearam dando o seu nome àquela que viria a ser a principal rua da nossa cidade nas décadas seguintes.

E quem de nós, que vivemos o fervor dos anos 80, 90 e início deste século, não tem suas lembranças para contar da velha ‘Siqueira’?

Pois bem! Eis que um outro brasileiro ilustre, falecido em 2011, desbancou o tenente Siqueira Campos em Belo Jardim e passou a ocupar o nome da rua que até então homenageava o jovem herói. Inicialmente, podemos não dar muita atenção a este fato, mas é necessário que se levantem questionamentos ao ato da troca do nome.

Nossa Lei Orgânica determina que não se pode alterar nomes de lugares ou de prédios públicos sem consulta popular. Nossos legisladores interpretam a palavra “lugar” como sendo apenas vilas, distritos e povoados, já que mudaram, nos últimos 15 anos, os nomes da Praça Desembargador João Paes, da Rua João Pessoa, do Palácio Municipal e da Rua Siqueira Campos e do Bairro Tancredo Neves, entre outros (os últimos 3 entre os anos 2009 e 2011), sem ouvir a população, seus eleitores.

Não obstante os novos agraciados tenham merecimento para ganhar homenagens, devemos preservar os nomes anteriores não apenas em memória dos próprios, como também em respeito aos que, décadas atrás, batizaram nossas ruas e prédios públicos. As vontades anteriores também devem ser preservadas.

Dito isto, é necessário que sejam apresentados projetos de lei que disciplinem firmemente o tema, para que não aconteça, daqui a alguns anos, que os homenageados de hoje também venham a ser apagados pelo desejo daqueles que, no futuro, terão o poder de legislar, executar, apagando nossas memórias, nossa história e, importantíssimo, negando às gerações futuras o direito de saber quem fomos nós, e quem esteve e atuou aqui antes de nós. E antes deles.


E devemos, num futuro breve, também, discutir se devemos retornar o nome da avenida central da cidade para Siqueira Campos, ou se devemos manter a vontade de pequenos grupos frente ao imenso abismo de merecimento entre os 2 personagens homenageados com a mesma rua. E isso será feito. No futuro próximo.

Nilton Senhorinho

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Dois anos de Saudade

Palavras ainda continuam difíceis. Ando tentando substituir a saudade doída pela saudade terna. Não é fácil. As vezes penso que não fizemos tudo o que poderíamos. Mas, me deparo com a constatação de que, ainda que muito mais pudéssemos, não há como deter a eterna caminhada. E restam as lembranças. Aquelas do tempo em que nos levavas no colo; outras de quando caminhávamos lado a lado; e aquelas, mais doloridas (porém, não menos afetuosas) de quando colo e atenção era o teu mais valoroso e desejado apoio. Conter as lágrimas é difícil. 

Hoje, dois anos daquela noite triste. Ontem, dois anos que me estendestes os braços em um último abraço. Ah! Se eu soubesse que seria o último não teria te soltado. Mas, a gente nunca sabe.

Todos os dias reso por ti. E espero que perdoe minhas falhas como filho.

Te amo para sempre.


"Mas se tivermos alguma visão positiva do todo do qual faz parte a indesejada, insondável mas inevitável transformação na morte, depois de algum tempo o amado acomoda-se de outro jeito em nós: continua parte de nossa realidade.
            Está transfigurado, porém ainda existe.
            ‘Com o passar dos anos dói menos’, disse-me um amigo que há trinta anos perdera uma filha ainda criança.
            Conheço um pouco a Senhora Morte. Duas vezes a Bela Dona me pegou duro, (...) me jogou no chão. Foi-se a cada vez um pedaço importante de mim. Mas como em certos animais, as partes perdidas se refizeram, diferentes – não me sinto mutilada, embora a cada dia sinta em mim aqueles espaços vazios que não voltarão a ser ocupados.          
            Aprendi que a melhor homenagem que posso fazer a quem se foi é viver como ele gostaria que eu vivesse: bem, integralmente, saudavelmente, com alegrias possíveis e projetos até impossíveis."
- Lya Luft -

domingo, 2 de junho de 2013

HOMENAGEM PÓSTUMA


Foi sempre obediente e bom exemplo de cidadã
Resignada, jamais externou descontentamento
Aceitou tudo o que a vida lhe trouxe

Faleceu ao 72 sem nunca ter existido
Não deixou saudades
Nem lembranças

sábado, 25 de maio de 2013

A CAMINHAR




Fui, mais uma vez, ao porão da minha memória, onde estão depositados os registros da minha caminhada. Diferente das vezes anteriores, quando apenas me detinha à porta para observar o imenso depósito, passando rapidamente os olhos sobre o seu interior, adentrei e passei a revirar cada registro, como que para encontrar algum traço que tenha passado despercebido ao longo da minha estrada.

A viagem à qual me lancei, naquele instante, não poderia ter sido mais encantadora: de repente, estive outra vez no colo da minha avó Quitéria (o colo da minha infância), revi os antigos vizinhos das minhas casas, gente que há muito se foi para um outro plano; lá estava repetindo as competições de pipa, pião, ximbra, barra-bandeira e tantas que fizeram em mim uma criança feliz e cheia de histórias; voltei ao quintal onde a grande matrona da vizinhança, em seu fogão de lenha, misturava os ingredientes mágicos para fazer o puxa-puxa que maravilhava meus olhos enquanto tomavam a forma de animais, laços e diversos objetos para o deleite da meninada que, esfuziante, corria rua a fora após o presente dos doces.

Emocionado, ouvi as conversas e risadas das brincadeiras e papos com os amigos de muito cedo (ainda quando as amizades são apenas brincadeiras puras) e os de um pouco depois que, ainda muito jovens, também se adiantaram na viajem e, muito atento, observei o sorriso tímido de Nêgo, a vivacidade de Charles, e tantos outros.

Fui levado aos muitos momentos de aprendizagem nos quais aqueles que me precederam se dedicaram; abracei meu pai em um momento de afeto que não posso repetir e vi-o entre sues irmãos e tios num dos momentos festivos de outrora. Quanta recordação boa.

Poderia ficar mais 36 anos revendo 36 de memórias que tenho. Acredito que os registros que me vieram, quando caminho à virada do que se diz ‘metade da vida’, retornaram para que eu lembre quem sou, do que foi feito, por quem, e com quem; que nada foi em vão e que todos os que passaram em minha vida tiveram sua contribuição; e que, vez ou outra, se faz necessário um mergulho em nossas memórias, em nossas raízes, para que não nos desviemos de quem somos de verdade.