segunda-feira, 7 de maio de 2012

SUSPIROS E DEVANEIOS


E o inverno que se abatera sobre o seu coração há tanto tempo dera espaço a um ensolarado verão com flores primaverais. Já não deixava mais de suspirar pelos cantos e a todos os momentos. E a concentração dissipava-se no ar tal bolhas de sabão que, após seu belo e rápido vôo, desintegram-se sem deixar rastro. Era a paixão que mais uma vez a contagiara.

Mal conseguia lembrar a tragédia sob a qual caiu ao ser abandonada por aquele que fora o grande amor da sua vida; aquele a quem jamais acharia substituto; que fora a sua inexplicável razão de viver. Tudo agora era uma vaga lembrança que adentrava cada vez mais as brumas do esquecimento - pois não há espaço para amor e solidão num mesmo quarto – enquanto um fogo inextinguível alastrava-se por todo o seu ser. E cada novo dia passara a ter uma cor especial que a chamava para aventurar-se nas terras desconhecidas às quais nos leva o coração; às terras nas quais uma embriagues nos toma, deixando-nos mais fortes e mais vulneráveis aos caprichos dos nossos próprios devaneios.

Mais que um simples desejo, aquele sentimento representava, ainda que inconsciente de tal, o recolher das âncoras que a mantinha amarrada ao último porto onde aportara. Era a sua libertação e senha para seguir sua vida, reconhecendo mais uma vez que há vida após o fim do que julgara insuperável. Seu caminho se desdobrava muito além daquele horizonte anterior e podia ir mais além, afastando-se a cada passo adiante, e revelando novo rumo à sua própria história.

Todos os suspiros e pensamentos vagos, porém, não fizeram com que esquecesse, como em outros eventos, que o caminho avistado estender-se-ia muito além das montanhas divisadas e que, embora fosse escolha sua, como outrora, entregar-se de corpo e alma e mergulhar nesse novo amor que lhe arrastara, estaria de malas prontas para seguir nova viagem a qualquer momento, caso o fogo da paixão se extinguisse antes da sua vontade de seguir em frente.

Assim, aquela mulher, redescobrindo-se capaz de amar após o fim de cada amor insubstituível, conseguia iluminar seus dias após cada noite de frio e trevas, vivendo o que a vida a apresentava de bom e fugindo constantemente do que não lhe agradava. Houve quem dissesse se tratar de alguém que não sabia o que queria, assim como houve quem dissesse que ela sabia viver. A despeito de todos, ela, desconhecendo os alheios julgamentos, apenas vivia com intensidade.

domingo, 8 de janeiro de 2012

A Vida Segue Sempre


Os relógios indicavam o avançar da tarde quando deixei o prédio em que estive ao lado da família e de amigos para fazer aquele que seria meu último passeio, por um longo tempo, na cidade onde nasci e vivi toda a minha vida e onde desenrolara toda a minha história que agora fechava um capítulo. Embora fosse aquela uma tarde de despedidas e de melancolia, não trazia em mim nenhum resquício de tristeza e começava confiante aquela jornada. E todos os anos, com seu acúmulo de memórias, em que ali vivi seguiriam comigo como gratas recordações e aprendizado.

Ao passar pela rua principal da cidade pude reviver, por instantes e a cada metro avançado, as festas da minha mocidade, os embates políticos dos quais minha família fora protagonista, das farras carnavalescas de outrora e, na mesma via, parei momentaneamente defronte à casa em que morei por décadas, na calçada onde vi minhas filhas equilibrarem-se em seus primeiros passos, onde me aguardavam com largos sorrisos a cada chegada minha ao lar; ali, aquela casa que abrigou tanto amor e história, onde brinquei com meus netos. Um sentimento de alegria me tomou ao rever imagens antigas na mente: satisfação.

Seguindo a rota traçada, cheguei à rua (agora um passeio exclusivo para pedestres) onde nascera a mais famosa festa da cidade, trazendo outras tantas e muitas boas recordações dos doces  momentos ao lado de amigos e parentes que já se foram. Muito bom tempo. Se fui feliz? Com certeza posso afirmar que sim. Imediatamente me deparei com a praça principal (aquela da minha infância) e a igreja matriz onde me detive por alguns minutos e pude observar o semblante de mais um punhado de amigos que ali se encontravam.

O restante do caminho foi uma longa e silenciosa caminhada que pareceu propositadamente traçada para dar espaço às reflexões e suspiros que o momento solene exigia; uma comprida jornada, e até fustigante, para quem já percorrera tão longo caminho até aqui. E na vida.

Findo o caminho, cheguei ao destino onde repousaria meu corpo até que ao pó voltasse. Numa última parada antes do repouso sob a terra, olhei mais uma vez para minhas filhas amparadas pelos esposos e filhos, irmãos, sobrinhos e mais uma nova geração, amigos e, como não poderia ser diferente, me aproximei da companheira de tantas décadas, mas não podia mais aparar suas lágrimas. Mas beijei-lhe em pensamento.

Embora aquele momento trouxesse em si uma carga de nostalgia mútua eu sabia e eles também, que da melhor maneira que é possível a um homem, eu fui feliz e fiz feliz, fui amado pelos que me receberam, amei os que encontrei e fui amado e amei os que aqui chegaram depois; aprendi e pude ensinar; recebi, construí e entreguei e com eles deixava o legado de uma história compreendida pelos que dela partilharam.

Agora seria o momento em que eu passaria a ser saudade.

Após o depósito dos meus restos mortais na terra, voltaram-se todos para seguirem suas vidas. E me entregaram. E dali, junto à sepultura, os observei até que o último deles me fugisse à visão e, por fim, me virei e abracei a todos os que me aguardavam; aqueles que, tendo feito parte da minha história terrena, precederam-me na viagem na qual agora eu embarcava. E assim, como quando nasci na vida que deixava para trás, estavam ali, alegres e felizes, meus pais, meus irmãos, tios, tias e até alguns amigos.

E partimos todos, juntos em um só caminho, porque a vida continua.


Imagem disponível em iviamaio.blogspot.com, disponível no Google.