E o inverno que se abatera sobre
o seu coração há tanto tempo dera espaço a um ensolarado verão com flores
primaverais. Já não deixava mais de suspirar pelos cantos e a todos os
momentos. E a concentração dissipava-se no ar tal bolhas de sabão que, após seu
belo e rápido vôo, desintegram-se sem deixar rastro. Era a paixão que mais uma
vez a contagiara.
Mal conseguia lembrar a tragédia
sob a qual caiu ao ser abandonada por aquele que fora o grande amor da sua
vida; aquele a quem jamais acharia substituto; que fora a sua inexplicável razão
de viver. Tudo agora era uma vaga lembrança que adentrava cada vez mais as
brumas do esquecimento - pois não há espaço para amor e solidão num mesmo quarto
– enquanto um fogo inextinguível alastrava-se por todo o seu ser. E cada novo
dia passara a ter uma cor especial que a chamava para aventurar-se nas terras
desconhecidas às quais nos leva o coração; às terras nas quais uma embriagues
nos toma, deixando-nos mais fortes e mais vulneráveis aos caprichos dos nossos
próprios devaneios.
Mais que um simples desejo,
aquele sentimento representava, ainda que inconsciente de tal, o recolher das âncoras
que a mantinha amarrada ao último porto onde aportara. Era a sua libertação e
senha para seguir sua vida, reconhecendo mais uma vez que há vida após o fim do
que julgara insuperável. Seu caminho se desdobrava muito além daquele horizonte
anterior e podia ir mais além, afastando-se a cada passo adiante, e revelando novo
rumo à sua própria história.
Todos os suspiros e pensamentos
vagos, porém, não fizeram com que esquecesse, como em outros eventos, que o
caminho avistado estender-se-ia muito além das montanhas divisadas e que,
embora fosse escolha sua, como outrora, entregar-se de corpo e alma e mergulhar
nesse novo amor que lhe arrastara, estaria de malas prontas para seguir nova
viagem a qualquer momento, caso o fogo da paixão se extinguisse antes da sua
vontade de seguir em frente.
Assim, aquela mulher,
redescobrindo-se capaz de amar após o fim de cada amor insubstituível, conseguia
iluminar seus dias após cada noite de frio e trevas, vivendo o que a vida a
apresentava de bom e fugindo constantemente do que não lhe agradava. Houve quem
dissesse se tratar de alguém que não sabia o que queria, assim como houve quem
dissesse que ela sabia viver. A despeito de todos, ela, desconhecendo os
alheios julgamentos, apenas vivia com intensidade.