quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
domingo, 18 de dezembro de 2011
Uma Traição
O vinho caía vagarosamente na
taça, enchendo-a de uma tintura sangue que fazia Ana divagar nas idéias que
haviam se fixado na mente pelas últimas semanas. O aroma da bebida fazia-lhe as
narinas dilatarem-se como que querendo afogar seus pensamentos pelo torpor do álcool.
Taça cheia, gole repousando sobre a língua, Ana dirigiu-se à sala e pôs no som
a música que seria, daquele dia em diante, a trilha da sua vida. Havia naquela
canção um sofrimento revoltado que só quem amou mais a alguém que a si mesmo
poderia compreender. Já havia ouvido-a em diversas vozes e a adorava nos vocais
do ‘Chico’ mas, ao ouvi-la, algumas semanas atrás, na voz de Ângela Ro Ro, não
pode mais fugir da tentação de viver a completa revolta.
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Ana se apaixonara loucamente por
Lauro ainda na escola secundária aos quinze anos e desde então sua vida foi uma
dedicação extrema ao amado, que era sua única razão de viver. Agora, aos
quarenta anos, olhava sua vida passada e via, em cada estação, sua imagem na
escuridão a segurar uma lâmpada sobre o seu amado; fizera de sua existência uma
alavanca para impulsionar a existência exitosa dele, anulara-se para fazê-lo
feliz, fingira despreocupação em todas as datas especiais que passara em casa,
sozinha ou em companhia dos gêmeos a quem dera à luz aos dezessete anos (pouco
depois de abandonar a escola) enquanto a sua razão de ser cuidava de outros
assuntos de sua vida, da carreira profissional e de coisas que não
compartilhava em casa. Ana perguntava-se, enquanto lembrava-se de tudo, ‘como
nunca percebeu que o marido não lhe correspondia na atenção, no cuidado, e que
só lhe dedicava poucas palavras protocolares?' O amor não só é cego, como também
pode ser burro.
Naquelas últimas semanas a mulher
que vivera em Ana nas últimas décadas fora dando lugar a outra totalmente desconhecida
e ela sabia que sua vida jamais seria como antes. Entendera que o tempo passa e
modifica, mesmo contra a nossa vontade, tudo o que pensávamos imutáveis; até nós
mesmos. Percebera também que o coração partido se recupera, que as mágoas
encontram lugar para repousar e até mesmo que a paixão louca encontra espaço,
uma hora ou outra, para abrigar a lucidez. Sabia, porém (e a constatação desse
fato lhe enfurecia) que o tempo longamente empregado numa relação é um
investimento que não pode ser resgatado. A sua certeza era de que não poderia
recuperar o tempo que sabia, hoje, ter sido perdido.
Desde a partida dos gêmeos para a
faculdade, Ana contentara-se em passar os dias em casa,
cuidando dos afazeres (que já não eram muitos) e gastava seu tempo em uma
contagem regressiva que parecia segurar os ponteiros das horas alongando sua
solidão esperançosa da chegada do marido. Muitas dessas contagens acabaram em
uma espera vã e em uma noite perdida na imensidão de uma cama que já há muito não
sabia o que eram os sussurros e gemidos de um casal de amantes.
Quando ouviu a notícia que
destruiu toda a sua vida, ela compreendeu a farsa que montou para sua própria
história; que tudo sempre esteve bem ali a sua frente, mas fechara os olhos e
mergulhara na fantasia que mais desejava. Como poderia aceitar que Lauro,
depois de uma carreira bem sucedida no mundo jurídico e prestes a assumir um
expressivo cargo no Tribunal, preparava-se para abandoná-la e, em fim, assumir
publicamente sua união com um mulher mais nova que ela e com quem já mantinha
um relacionamento há mais de cinco anos? Como não se dera conta desse romance
do seu amado? Como viver sem ele e com tamanha desgraça? Era traição demais.
Manteve segredo sobre sua descoberta e passou os dias a debulhar suas conclusões
e arquitetar a reação que deveria ter.
Daquele dia, semanas atrás,
passou a ouvir músicas que falassem da sua vida e da dor que estava sentindo. E
alimentava sua revolta com tudo e não perdoava. Mas soube guardar cada
sentimento destilado em ódio contra o marido e resolveu que nada faria até o
momento adequado.
Na noite anterior, embora não
tivesse nada planejado, recebera o marido para o jantar como sempre fazia. Já à
mesa, Lauro lhe noticiou que não passaria o natal no Brasil e que ela deveria
se programar para passar com amigos. Ela desejou morrer naquele instante, mas estancou
cada lágrima que forçava seus olhos e disfarçou sua indignação com tamanho desprezo
lhe dispensado. Após o jantar, Lauro recolheu-se ao quarto sem dirigir-lhe uma
palavra enquanto Ana organizava a casa naquele dia que acabava. Ao terminar
todas as tarefas pertinentes às pessoas que se dedicam a garantir o conforto
doméstico dos que dele precisam para tocar suas vidas sem se incomodar com as
pequenas tarefas, dirigiu-se ao quarto no qual repousava já em um sono profundo
o seu grande amor, o seu único amor. Tomou um banho, perfumou-se e deitou ao
lado do marido para mais uma noite de solidão acompanhada.
Eram 5 e 30 da manhã quando Ana
acordou. Viu no rosto adormecido de Lauro um sorriso de paz e tranqüilidade que
há muito não via. Lembrou de como fora feliz enquanto desconhecia toda a
verdade de sua vida e desejou, por um instante, ter força para esquecer tudo. Naquele
momento, como que orquestrado pelo destino, Lauro, num sonho arrebatador,
murmura pronunciando o nome da mulher a quem, de verdade, estava amando, e Ana percebeu
que não adiantava esquecer a verdade, pois em pouco tempo ela seria atirada em
sua face. Levantou-se e foi até a cozinha, escolheu no faqueiro sua lâmina mais
afiada e, voltando ao quarto, deslizou-a na garganta do seu traidor, tão
mansamente que não se ouviu um gemido sequer.
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O esguicho de sangue que lhe
atingiu o colo não a incomodava; misturava-se agora aos pingos de vinho que lhe
escorriam pelo canto da boca. E, lembrando mais uma vez do dia que se conheceram
e de muitos e muitos episódios vividos, aumentou o volume do som e perdeu-se em
devaneios ouvindo Ângela sofrer ao cantar “... Deixe em paz meu coração, que
ele é um pote até aqui de mágoa; e qualquer desatenção, faça não, pode ser a gôta
dágua...”.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Caminhar
Muitas vezes você não dá o
real valor a detalhes pequenos que fazem a diferença em sua vida. Não
raramente, deixa de prestar atenção nas belas paisagens que compõem o seu dia a
dia, e outros que não as têm constantemente passam a apreciá-las e dar-lhes um
valor que você não soube dar; e chegam para ocupar os espaços e os preservam
para a sua própria alegria e fazem questão de que outros saibam da beleza ali
encontrada.
Os grandes acontecimentos da sua vida jamais virão
em momentos de solidão. Quando você nasceu, havia alguém para ti receber – e
você passou a compor a história de muitos; quando você morrer haverá alguém
para se despedir – e você levará um pouco da história de tantos outros.
Por descuido, por descaso, por qualquer motivo que
se possa levantar como argumento, inúmeras vezes cobra-se das pessoas próximas
algo que a elas não foi dada para guardar.
No momento em que estiver impaciente com as
pessoas, reflita se tem agido de maneira a jamais irritar alguém;
Antes de exigir silêncio, lembre de quantas vezes
alguém parou para ouvi-lo;
Antes de apontar os defeitos alheios como motivo
para a sua irritação, pense em quantas pessoas gostam de você com todos os
defeitos que você tem.
A convivência é uma via de mão dupla e não se deve
exigir das pessoas o que elas não podem te dar. Exija tão somente, se for o
caso, o mesmo que você lhes tem ofertado. Qualquer exigência a mais demonstra
um individualismo exacerbado.
Qualquer indivíduo pode desejar ser um sol na vida
dos outros. No entanto, tal desejo só resulta em bons frutos se for calcado na
idéia de que o sol nasce para todos e, nunca, na teoria de que tudo gira em
torno dele.
Lembre-se de que todo e qualquer ser humano tem
desejos, planos e sonhos que precisam fluir e que nem sempre o caminho será
seguido nas mesmas companhias; do dia em que você nasceu, até aqui, muitas
pessoas foram importantes na sua jornada, mas algumas permaneceram ao seu lado
por pouco tempo; estas compõem, já, a história da sua existência.
Não estranhe o fato de um companheiro de viagem
descer do trem numa estação antes da planejada. Talvez seja necessário que ele
siga outra direção sozinho, ou em outras companhias. É a história dele que ele
tenta compor.
Seja feliz da maneira que pode e se não puder
levar seus insucessos em sua própria bagagem, não torne a de alguém mais
pesada; melhor seria jogá-los fora e continuar a viagem.
E não esqueça, jamais, que todas as pessoas que te
encontram no caminho levam algo de você, assim como deixam algo delas. Assim é
a vida.
Não guarde mágoas. Elas pesam demais e não deixam
espaço para novos sentimentos.
E não prenda-se ao momento presente como se fosse
durar para sempre. Lá adiante você olhará para trás e perceberá que foi tudo
uma experiência para o seu próprio crescimento.
Procure estar feliz. Todos estão tentando.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
O Próprio Amor
Atendeu ao telefone e ouviu aquela voz tão familiar e que,
por tantos dias – tempos atrás - esperara ansiosamente pelas palavras que
ecoavam em toda a sua alma e faziam flutuar nos sentimentos multicoloridos que
só aos apaixonados é concedido sentir. O diálogo que se seguiu pareceu, ao ser rememorado,
uma paródia tardia de um drama que se quer disfarçar em comédia:
- Alô!
- Oi.
- Reconheceu minha voz?
- Reconheci (e como não reconhecer de imediato aquele que
foi um desejo constante nos últimos dez anos e que se queria em afeto e
carinho, em demonstrações de importância que nunca vieram?).
- E então, como está? Nunca mais me ligou. Esqueceu de mim?
Naquele momento um filme completo, em frações de segundo,
passou-lhe à mente: todos os momentos de espera que se tornaram vazios, a tão
esperada importância que se queria ter e que jamais se concretizara, todas as
frustrações de uma paixão e dedicação nunca correspondidas...
- Que é isso! É que ando com muitas ocupações...
- Mas, nem um tempinho para me ligar? Tenho pensado muito em
você por esses dias.
E um sorriso se desenhou nos lábios (um daqueles, que
esboçamos com uma tentativa de disfarce quando não queremos ser vistos), como
recompensa pelo sucesso alcançado com o seu plano: dar um gelo naquele que fora
seu amor por tanto tempo, distanciando-se e dificultando a comunicação,
deixando o círculo de amigos em comum e evitando os mesmos ambientes, para que
sua falta fosse sentida.
- Ah! Eu também me lembro de você.
O plano dera certo. Mas, inversamente ao que se planejou de
início, o tempo em que se dispôs a passar distante do seu objeto de desejo
deixou claro que era possível, sim, viver sem ele: o amor deixara de existir
com a mesma leveza com a qual havia se instalado.
- Então, se lembra de mim, me dá notícias de vez em quando. Lembra
de mim de verdade. Estou com saudades.
- Claro. Te ligo qualquer hora dessas. Vou desligar para
terminar umas tarefas aqui. Tchau.
E, desligando o telefone, sorriu imensamente feliz pela
constatação de que, agora, pensava mais em si.
* Imagem capturada da página noitesroubadas.blogspot.com através do Google Imagens
Teste
Vamos falar sobre sentimentos e seus desdobramentos na filosofia que nortearam e nortearão a raça humana em sua caminhada.
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