Os relógios indicavam o avançar da tarde quando deixei o prédio
em que estive ao lado da família e de amigos para fazer aquele que seria meu último
passeio, por um longo tempo, na cidade onde nasci e vivi toda a minha vida e
onde desenrolara toda a minha história que agora fechava um capítulo. Embora
fosse aquela uma tarde de despedidas e de melancolia, não trazia em mim nenhum
resquício de tristeza e começava confiante aquela jornada. E todos os anos, com
seu acúmulo de memórias, em que ali vivi seguiriam comigo como gratas recordações
e aprendizado.
Ao passar pela rua principal da cidade pude reviver, por
instantes e a cada metro avançado, as festas da minha mocidade, os embates
políticos dos quais minha família fora protagonista, das farras carnavalescas
de outrora e, na mesma via, parei momentaneamente defronte à casa em que morei
por décadas, na calçada onde vi minhas filhas equilibrarem-se em seus primeiros
passos, onde me aguardavam com largos sorrisos a cada chegada minha ao lar;
ali, aquela casa que abrigou tanto amor e história, onde brinquei com meus
netos. Um sentimento de alegria me tomou ao rever imagens antigas na mente:
satisfação.
Seguindo a rota traçada, cheguei à rua (agora um passeio
exclusivo para pedestres) onde nascera a mais famosa festa da cidade, trazendo
outras tantas e muitas boas recordações dos doces momentos ao lado de amigos e parentes que já
se foram. Muito bom tempo. Se fui feliz? Com certeza posso afirmar que sim. Imediatamente
me deparei com a praça principal (aquela da minha infância) e a igreja matriz
onde me detive por alguns minutos e pude observar o semblante de mais um
punhado de amigos que ali se encontravam.
O restante do caminho foi uma longa e silenciosa caminhada
que pareceu propositadamente traçada para dar espaço às reflexões e suspiros
que o momento solene exigia; uma comprida jornada, e até fustigante, para quem
já percorrera tão longo caminho até aqui. E na vida.
Findo o caminho, cheguei ao destino onde repousaria meu
corpo até que ao pó voltasse. Numa última parada antes do repouso sob a terra,
olhei mais uma vez para minhas filhas amparadas pelos esposos e filhos, irmãos,
sobrinhos e mais uma nova geração, amigos e, como não poderia ser diferente, me
aproximei da companheira de tantas décadas, mas não podia mais aparar suas lágrimas.
Mas beijei-lhe em pensamento.
Embora aquele momento trouxesse em si uma carga de nostalgia
mútua eu sabia e eles também, que da melhor maneira que é possível a um homem,
eu fui feliz e fiz feliz, fui amado pelos que me receberam, amei os que encontrei e
fui amado e amei os que aqui chegaram depois; aprendi e pude ensinar; recebi,
construí e entreguei e com eles deixava o legado de uma história compreendida
pelos que dela partilharam.
Agora seria o momento em que eu passaria a ser saudade.
Após o depósito dos meus restos mortais na terra,
voltaram-se todos para seguirem suas vidas. E me entregaram. E dali, junto à
sepultura, os observei até que o último deles me fugisse à visão e, por fim, me
virei e abracei a todos os que me aguardavam; aqueles que, tendo feito parte da
minha história terrena, precederam-me na viagem na qual agora eu embarcava. E
assim, como quando nasci na vida que deixava para trás, estavam ali, alegres e
felizes, meus pais, meus irmãos, tios, tias e até alguns amigos.
E partimos todos, juntos em um só caminho, porque a vida
continua.
Imagem disponível em iviamaio.blogspot.com, disponível no Google.
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